Esse barulho da árvore na floresta

Quando eu andava no décimo segundo ano tinha muito medo de não entrar na universidade. Nesse tempo, havia muitos jovens em Portugal e poucos lugares disponíveis. Acho que agora já ninguém fica de fora. Eu era a melhor aluna da escola mas, mesmo assim, vivia com o terror de encontrar a frase ‘não colocado’ debaixo do meu nome na pauta e foi por isso que contratei o explicador de filosofia. O explicador de filosofia era um brasileiro que fumava muito. Chamava-se Marcelo. Todas as horas que passava com ele, ele estava acendendo e apagando cigarros, ficava difícil encontrá-lo atrás da cortina do fumo. Acho que era isso que ele queria mesmo, parecer meio misterioso. Esse explicador não gostava muito de mim. Eu fazia sempre os trabalhos de casa e dava sempre respostas tão estruturadas, para ele era uma desilusão eu não me abandonar a uma certa loucura. Ele topou logo que eu não era suficientemente desarrumada para apreciar a filosofia. Para me provocar, falava com admiração de outra aluna, que tinha preparado no ano anterior para a prova específica de filosofia. Essa era verdadeiramente notável, dizia ele chupando o cigarro, tinha tido quase noventa por cento no exame, era óbvio que Marcelo não me achava capaz de tamanha proeza. Por mais que fizesse, eu não sabia como lhe agradar. Andámos muitas semanas lendo Descartes e um britânico que, na altura, achei muito chato chamado Bertrand Russell. Não me lembro de quase nada, só acordei quando chegámos ao imaterialismo de Berkeley. Berkeley queria saber: Se uma árvore cai na floresta e não há ninguém por perto para ouvir, a queda faz barulho? É uma dúvida fascinante. Lembrei-me disto esta manhã, porque caíu um eucalipto no parque em frente à minha casa. Fiquei pensando se alguém o teria ouvido, se fez algum som durante a noite enquanto todos dormiam. E, lembrei-me também que tive noventa e sete por cento na prova de filosofia, fui a melhor do país, às vezes esqueço-me que aos dezoito anos fui esse génio filosófico. Viu só, Marcelo?

(Imagens: Aqui)

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