Comendo um gelado de chocolate na Conchanata, coberto de chantilly. Eram os vídeos do bullying, os polícias que batiam, mortes a tiro, todas as histórias bizarras da semana. Minha amiga de cabelos lisos, unhas pintadas, smartphone pousado em cima da mesa. Não sei onde vamos parar. O mundo está perdido.
Sempre a visão dourada do antigamente. Dantes essas coisas não aconteciam. Bem, provavelmente aconteciam, mas não eram filmadas ou partilhadas, nem difundidas na tv e nos jornais. A criminalização da violência doméstica, abusos, maus-tratos é recente. E, falar sobre essas coisas coletivamente, é ainda mais recente. Por exemplo, quando eu cresci, não se usava a palavra ‘bullying’. O que não significa que o fenómeno não existisse.
Ainda paira sobre nós o velho mito de Rousseau, defendendo a bondade inata do ser humano, corrompida na sociedade. Contudo, são precisamente os limites firmes das regras que aprendemos em sociedade que nos impedem de nos regermos pela brutalidade das leis naturais. A vida em sociedade não nos deforma, antes nos civiliza, garantindo a defesa dos fracos face aos mais fortes. A socialização – com as suas regras e noções de certo e errado – poderá evitar (mas não eliminar) muitos desse crimes.
O que pode ser relevante discutir é precisamente os moldes em que é feita essa socialização e o preço que, por exemplo, dez horas de trabalho diário dos pais ou falta de infraestruturas escolares podem ter na formação das crianças.
É, se calhar tens razão. Vou pedir mais chantilly.
(Imagem: Os deliciosos gelados que Luigi Benedicenti sabe pintar)